terça-feira, maio 06, 2014




  Memória...

Em 1970,um ano e tal após a morte de Mário Sacramento , encontrava-me convalescente e ainda acamado.A tentar sair vivo (esteve mais para o outro lado...) de uma grave, e até hoje inexplicável pancreatite aguda. Foi com surpresa que  recebi, no quarto, a visita de  Cecília Sacramento, acompanhada de uns indefectíveis amigos de MS. Com ele vinha minha Mãe.Vinham colocar-me a questão: era preciso organizar-se, no Illiabum, uma palestra sobre MS, vedando o caminho a uns próceres do sistema  salazarista, inimigos figadais de MS, em vida,  e que pretendiam, com a evocação publica,  lavar-se das tropelias que sobre MS, tinham praticado.

Por mim - via-se ! - era tarefa impossível, tal o estado de debilitação em que me encontrava. Mas concordando que era necessário fazer algo, indiquei duas ou três personagens, que, pensava ,ainda mais seguramente e qualitativamente poderiam fazer melhor do que eu.

Passados dias recebo de novo uma visita daqueles amigos, para me darem conta   da «nega» tida nas suas démarches. Era um tempo difícil, e nem todos aceitavam expor-se .Insistiram pois,de novo, apelando (e incentivando-me!) a por mãos à obra. Eu sentia-me fraco para trabalho de tal monta. Epara além disso, ainda  impreparado para tarefa de tal monta e complexidade..
Minha mãe em vez de me apoiar no não (!) ,como sempre, ajudou apelou à missão  e ao  desafio.

Bem...tinha de ser.

Pedi, então  para me trazerem para o quarto toda os livros  (e artigos) de MS.E, além disso ,os livros de Eça, que tinha no escritório, os de Fernando Pessoa (de que tinha pouco) e os de Namora (Cesário Verde,deixei para o fim).
E na cama comecei um martírio exigente. Ler MS como critico literário fez-me suar as estopinhas.Com Frederico de Moura (o médico que astuta e sabiamente tinha diagnosticado a pancreatite,e me visitava diariamente, troquei diversas opiniões. Em muitas observações FM, homem de uma cultura invejável, discordava de MS(no bom sentido),o que me permitiu uma melhor leitura.
Claro que a aproximação de MS a Eça,descortinando(?) uma estética de ironia, foi o meu primeiro passo(e talvez o mais fácil).Como o seria com Namora ou Redol para  o neo- realismo.

Mas a abordagem interpretativa de MS a Fernando Pessoa foi, lembro-me, um perfeito bico de obra.Reconheci que nem toda a critica foi receptiva à leitura do «Poeta da Hora Absurda».MS também(não foi difícil aí chegar) , não ficou muito satisfeito com o que produziu , queixando-se, de que escrito na prisão,sem poder fazer consultas suficientes (eu vi-me em situação algo semelhante, num certo aspecto, claro!), terá feito interpretações que sempre pensou corrigir. Por outro lado,era certo que  estávamos num tempo da descoberta (e eleição) de Pessoa, sendo ainda muita obra do poeta,desconhecida.
Bem,ao fim e ao cabo lá consegui(toscamente) abordar MS.
Entretanto,anunciada com antecipação a palestra, os «peralvilhos» recolheram a penates. E remeteram-se à expectativa, na esperança de que eu me não desenvencilhasse do oficio..
E o dia chegou. Magro e enfezado como um caniço bamboleante lá fui. Apresentou a palestra, se bem me lembro o Prof.Guilhermino.Que foi mestre de MS, de cuja inteligência guardava elogiosa referência :- o do melhor e mais inteligente aluno que lhe passara pelas mãos!!!!
Na primeira fila, sentou-se o palestrante a quem se goraram as intenções de se desinfectar. A sala encheu-se completamente. Frederico de Moura estava a postos para o desse e viesse...
Houve momentos difíceis.A palestra não poderia deixar de ser longa, e finda, travou-se animada troca de ideias com os presentes, muitos vindos de Aveiro.Claro.....
E lá me aguentei na «baldeação».´
Este esforço marcou-me. Porque me abriu portas ao interesse pelos nossos autores,e a uma leitura selectiva e informada.
Hoje, na abordagem (desafiante) de uma leitura de «Os Maias», não deixo de relevar a influência que MS e FM, tiveram, em despoletar, em mim, novas e continuadas abordagens, na leitura dos nossos maiores.
 
No Blog já um dia publiquei a palestra. Poderia ter corrigido muito do que lá disse.
Mas entendi que não o deveria fazer.
Tive um dia o prazer de abordar Oscar Lopes(que recebeu de Cecília um exemplar para apreciação),e ouvi com atenção a critica e elogios -que também os houve !-ao que fiz. E um dia tivemos oportunidade de discutir no Teatro Aveirense algumas posições.

Não me desculpo com a situação em que me encontrava.Poderia era não estar à altura do que fiz.

SF 2014



 

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